terça-feira, 26 de abril de 2022

Carlos Drummond de Andrade. (1902/1987). 35 anos sem o poeta

 


Estátua /atração turística do Rio


"Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência......"



A sua ausência é falta, Poeta.


Na última entrevista ao também saudoso Geneton Morais Neto, dezessete dias antes de morrer e publicada no suplemento IDÉIAS do Jornal do Brasil cinco dias após o funeral da filha Maria Julieta, Drummond declarou: 


Não tenho a menor pretensão de ser eterno. Pelo contrário: tenho a impressão de que daqui a vinte anos eu já estarei no Cemitério de São João Baptista. Ninguém vai falar de mim 



Como se fosse possível esquecer quem foi, sem dúvida, o maior poeta brasileiro, louvado diariamente e que cunhou expressões incorporadas ao nosso cotidiano.


Considerado, ao lado de Machado de Assis, um Mestre da Língua, mostrou em sua obra poética a sensibilidade do homem contemporâneo.

Funcionário público aposentado em 1962, continuou  a exercer as atividades literárias, intelectuais e jornalísticas, passando a trabalhar em casa.


  Sempre disponível e atencioso ,porém tímido, reservado e sem a menor vaidade, saía  do apartamento na Rua  Conselheiro Lafayette, Copacabana, Rio  e flanava pelas ruas do bairro.


No local onde fazia uma pausa para observar o mar, existe    uma estátua em sua homenagem, transformando o ponto em atração turística.

 

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"Se procurar bem você acaba encontrando

Não a explicação (duvidosa) da vida

Mas a poesia (inexplicável) da vida."


Uma placa na entrada da biblioteca da Faculdade de Farmácia da UFMG, mostra trecho deste poema, de autoria de um dos mais ilustres dos alunos que  ali passaram: Drummond se  formou em 1925, para atender a um desejo dos pais.  

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 Nascido em Itabira do Mato Dentro, Minas Gerais, em 31 de outubro de 1902, foi o nono filho dos fazendeiros Carlos de Paula Andrade e  Julieta Augusta Drummond de Andrade. Freqüentou,durante quatro anos,  o Grupo Escolar Dr. Carvalho Brito.


Mais tarde, foi internado no Colégio Arnaldo, em Belo Horizonte, onde conheceu os amigos da vida inteira -  Gustavo Capanema e Afonso Arinos de Mello Franco.


Após pausa por motivo de saúde, voltou a estudar, também como aluno interno,  no Colégio Anchieta, da Companhia de Jesus, em Nova Friburgo (RJ). Seu apelido no colégio era General ,pela altivez e orgulho.   


Um desentendimento com o professor de português terminado em expulsão  por “insubordinação mental”, o marcou profundamente, atrapalhou o andamento da vida, o fez “perder tempo, fé e a confiança dos que julgaram”  e rendeu um poema : 


Fria Friburgo. Não fico aqui. Eu fujo ou não sei não, mas é tão duro este infinito espaço ultrafechado. /Esta montanha aqui eu não entendo./Estas caras não são caras de gente."


Quando partiu de volta para Minas, no segundo ginasial, levava a semente do jornalista, colaborador do jornal “Aurora Colegial”, do Anchieta

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Com a mudança  da família para Belo Horizonte (1920), começou a publicar poemas no Diário de Minas.

Passou a freqüentar a Livraria Alves e o Café Estrela, onde se reunia a intelligentsia  da época. 


Participou de um concurso literário e ganhou o primeiro prêmio, com o conto “Joaquim no Telhado “ publicado na” Novella Mineira”, de Belo Horizonte, no número de setembro-outubro de 1922.

Começou a ter textos publicados no Diário de Minas, de Belo Horizonte e nas revistas “IIlustração Brasileira” e “Para Todos”.


Em 1924, o Movimento Modernista chegava a Minas, quando Drummond conheceu Mário de Andrade, Oswald de Andrade e a pintora Tarsila do Amaral e ampliou o trabalho criativo, quebrando padrões estético-literários brasileiros.


Uma completa mudança ocorreu em 1925/26. O Poeta volta a Itabira, casado com Dolores Dutra de Morais, professor de Geografia e Português no Ginásio Sul-americano.

 Dolores dá à luz ao primeiro filho do casal, Carlos Flávio, mas o bebê morre meia-hora após o parto, asfixiado pelo cordão umbilical

O poema “O que viveu meia hora” foi escrito por Drummond, na perda. (abaixo, um trecho)


 "Às vezes o encontro num encontro de nuvem.

Apóia em meu ombro

seu ombro nenhum.
Interrogo meu filho,objeto de ar: em que gruta ou 
concha quedas abstrato? "

Dolores tem uma segunda gravidez tranquila. Maria Julieta nasce em março de 1928 ( foto abaixo).Ela se tornaria amiga e confidente


 

Funda, juntamente com Martins de Almeida, Emílio Moura e Gregoriano Canedo, “A Revista”, órgão modernista mineiro, que ficou restrito a 3 edições.  


 A “Antropofagia”, quase um órgão oficial do Movimento Modernista na Literatura, publicou o famoso  “No meio do caminho”, que rompeu com todos os paradigmas e se transformou em escândalo literário. 

 


"No meio do caminho tinha uma pedra
Tinha uma pedra no meio do caminho
Tinha uma pedra No meio do caminho tinha uma pedra
Nunca me esquecerei desse acontecimentoNa vida de minhas retinas tão fatigadas
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
Tinha uma pedra
Tinha uma pedra no meio do caminho
No meio do caminho tinha uma pedra."

Em 1930, o poeta publica sua primeira obra - Alguma Poesia - e o burocrata inicia sua carreira: como  funcionário público. Logo é chamado a ser    auxiliar de   gabinete da Secretaria do Interior de Minas e, mais tarde,  oficial de gabinete de seu amigo Gustavo Capanema.


Quero a puta quero a puta.

Ela arreganha dentes largos

De longe. Na mata do cabelo

Se abre toda, chupante

Boca de mina amanteigada

Quente. A puta quente.


Somente após a morte, como era  desejo do autor, foi publicado o livro "O amor natural", com ilustrações de Milton Dacosta.

Embora conhecidos pelos amigos mais chegados, os  poemas eróticos surpreenderam os admiradores da obra de Drummond, porque faziam contraponto com a figura severa e tímida do poeta.

A  paixão e a sensualidade se misturam ao senso de humor rascante e à leveza de sempre.   

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Em 5/8/1987 morre  Maria Julieta. 

Doze dias depois, a 17 de agosto, às vésperas dos 85 anos, por insuficiência cárdio-respiratória, é Carlos Drummond de Andrade quem deixa a cena.  

Ficaram  3 obras inéditas.  O Amor Natural (poemas eróticos), O Avesso das Coisas (aforismos) e Moça Deitada na Cama (crônicas).


Embora para sempre eternizado pelo conjunto da obra e traduzido para muitos idiomas, a falta que a ausência dele faz é imensa. Faz falta  a abordagem de temas políticos  da solidão do homem contemporâneo, concluindo com a  chamada “fase metafísica “ da obra quando fala da morte e do após morte.


Escritor e poeta,  Affonso Romano Santa”Anna, que defendeu tese  de doutorado em 1967   intitulada "Drummond, Gauche no tempo” (com a ajuda de cerca de 600 páginas do arquivo pessoal emprestadas por CDA , diz que “ para ler Drummond, é preciso ter sensibilidade poética, ouvido poético e saber que se está diante de um poeta que tem de ser lido atentamente, como se fosse uma mina: para desvendá-la é preciso cavá-la, ir mais fundo.”


 "
Quando eu nasci, um anjo torto desses que vivem na sombra disse: Vai, Carlos! Ser gauche na vida."

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Documentário sobre Drummond

Clique aqui:

https://www.youtube.com/watch?v=ztAP7-vcP3Y


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Edward Albee

      “Não estou chateado com a idade, continuo tendo idéias. A mente criativa não entra em colapso.Talvez me preocupe quando chegar aos 90....

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