A ARTE DE COMPARTILHAR BELEZA E SOLIDARIEDADE
No início dos anos 50 do século passado, quando começou a fazer sucesso na Europa, Niki de Saint Phalle parecia ser e era um pseudônimo.
Mas a escultora, pintora, arquiteta amadora, modelo fotográfico, atriz, teatróloga, cenógrafa, estilista e designer, além de francesa legítima, carregava um sobrenome nobre.
Nki de Saint Phalle - Catherine Marie-Agnès Fal de Saint Phalle - nasceu em Neuilly-sur-Seine, cercanias de Paris, em 29 de outubro de1930 segunda dos cinco filhos de Jeanne Jacqueline Harper e André Marie Fal de Saint Phalle.
O pai era um dos proprietários do banco da família. Com o colapso da bolsa em 1929, perdeu a sua fortuna e o negócio.
O grande crash da Bolsa de Nova York obrigou a família a emigrar para os Estados Unidos. Niki viveu até os três anos com os avós maternos.
Aos 11, infelizmente, foi atingida por uma tragédia somente mais tarde revelada: o abuso sexual, pelo pai.
Leitora sôfrega, seu interesse era voltado para Edgar Allan Poe, Shakespeare e os filósofos gregos.
Atuava em peças escolares e escreveu sua primeira obra, “A peste”.
NIKI, Senhora Harry Matthews
A casal mudou-se para Cambridge, Massachusetts. Harry estudava música na Universidade de Harvard e Niki produzia seus guaches e desenhos.
Belíssima, iniciou carreira de modelo e suas fotos apareceram na Vogue, no Harper’s Bazaar e na capa da revista Life.
As "Nanás" da Pinacoteca São Paulo |
Harry desejava ser maestro e Niki matriculou-se num curso de teatro.
Todo tempo disponível é dedicado a viagens.
Em 1953, no meio de uma profunda depressão, internada em Nice e tratada com terapia da pintura, abandona os projetos teatrais e decide se tornar artista plástica.
O casal Matthews regressa a Paris, onde divide uma casa com Anthony Bonner, músico e compositor de jazz americano. Nesse momento, Niki é apresentada ao pintor americano Hugh Weiss, que será uma das figuras mais importantes de sua trajetória.
Neste mesmo ano, acontece a mudança para a Ilha de Maiorca
Em 1955, nasce o filho Philip e Niki visita Barcelona.
Esta viagem para estudar a obra de Gaudi fez mudar mais uma vez o rumo de sua vida e carreira, plantando a semente do que seria no futuro, o Jardim do Tarot.
A família nômade muda-se para em Lans-en-Vercors, nos Alpes franceses, onde, em 1956, acontece a primeira exposição das obras de Niki, na pequena cidade de Saint Gallen.
Ela começa a se aprofundar no estudo das obras de Paul Klee, Henry Matisse, Pablo Picasso e Douanier Rousseau
Tinguely, Nanás , Tiros e Alexandre Iolás
Ao conhecer e aprofundar um relacionamento com o artista plástico suíço Jean Tinguely, Niki separa-se de Harry.
Mas a obra continua a crescer : surgem as assemblages e os quadros-alvo. Cria ex-votos e, em seguida, as Nanás (gíria francesa para “garotas) - mulheres gigantescas feitas com papier marché e poliester.
Hoje, estão por toda parte : do teto da estação ferroviária de Zurique à Paris, Nova York, Bruxelas, Tóquio, Amsterdã, Los Angeles, Hannover, Genebra, Lucerna e até mesmo na mansão paulistana de um ex-banqueiro.
Em 1961, Niki de Saint Phalle vira celebridade com os “tiros” - performances durante as quais os espectadores atiram com carabinas e balas de plástico colorido em pranchas que servem como alvos.
Torna-se a única mulher a fazer parte do grupo dos novos realistas (com Arman, César, Christo, Gérard Deschamps, François Dufrêne, Raymond Raysse, Mimmo Rotella, Daniel Spoerri, Jean Tinguely e Jacques Villeglé) fazendo, segundo a crítica especializada da época, o papel de intermediária entre os movimentos avant garde americano e francês.
Na estréia oficial dos Novos Realistas, na noite de 13 de julho, acontece um evento na abadia de Roseland ( no qual participam todos os Novos Realistas) encerrado com Niki fazendo uma sessão de tiros sobre uma replica da “Vênus de Milo”.
Explosão de Criatividade
A 13 de Julho de 1971, Niki de Saint Phalle e Jean Tinguely casam-se em Soisy e viajam ao Marrocos.
É com Tinguely que cria “ Cyclop”, em Milly-la-Forêt; a fonte do Château-Chinon, no Centro Georges Pompidou; o Jardim do Tarot, na Toscana e uma estátua monumental no Museu da Cidade de Estocolmo (28 metros de altura por seis de largura e seis toneladas de peso): “A Maior Prostituta do Mundo” uma Naná deitada com o público ingressando pela vagina da matrona de poliester. Em seu interior, um bar e uma biblioteca.
Cerca de 2 mil pessoas visitavam, por dia, a mais famosa e controvertida das “Nanás”.
Para que os leitores tenham idéia da magnitude da obra de Niki de Saint Phalle, em maio deste ano de 2007, no Grand Palais, em Paris,a exposição sobre Novos Realistas – com destaque para Niki, cartaz da mostra - dividia o espaço com uma outra, sobre a arte no Império Ghupta, no século V aC.
Ícone mundial, pouco conhecida no Brasil
Alexandre Iolas, galerista, encantou-se com o trabalho de Niki, ao visitar a exposição da Maior Prostituta do Mundo, e tornou-se mecenas, organizador e divulgador de exposições.
Começa aqui uma longa e duradoura relação entre a artista e o galerista. Nos dez anos seguintes, Iolas dar-lhe-á apoio financeiro e organizará numerosas exposições dos seus trabalhos.
Em 1999, aconteceram, entre nós, duas exposições patrocinadas pela AFAA (Associação Francesa de Ação Artística), uma em São Paulo (Pinacoteca do Estado) e outra no Rio : no CCBB e ao ar livre.
Num domingo lindo de sol, durante horas, na Praça Paris, totalmente art-nouveau, lá estavam Nanás, fontes giratórias e dois visitantes solitários : meu marido e eu.
Militância
1990. Ao começar a trabalhar pela primeira vez com bronze - para atender a uma encomenda de deuses e deusas egípcios, indianos e mesopotâmicos - Ricardo Menon, seu assistente e de Tinguely , morre vítima da AIDS.
Niki produz um desenho animado, adaptado de seu livro “Não se pega AIDS segurando as mãos”, que é projetado no Museu de Artes Decorativas de Paris
Um texto com o mesmo título, publicado pela Agência Francesa de Luta contra a AIDS, é distribuído entre todos os estudantes de todos os níveis na França.
Jean Tinguely morre em Agosto de 1991 e Niki apresenta a maquete de seu “Templo Ideal”, concebido em 1972, e descrito como “uma igreja para todas as religiões”,
Em seguida, muda-se para os Estados Unidos, onde viveu, atuante e criativa, até o final.
Em 11 de outubro de 2001, o Museu de Arte Moderna e Contemporânea de Nice recebe a doação de 63 pinturas e esculturas,18 gravuras, 40 litografias 104 serigrafias e muitos documentos originais.
Niki de Saint Phalle vem a falecer em 21 de maio de 2002, em San Diego, Califórnia.
Havia voltado aos Estados Unidos, em busca de ares secos, para aliviar os pulmões devastados pelas emanações de produtos químicos usados para compor seus trabalhos em poliester.
A Fundação de Beneficiência e Arte NIKI, em Nice-França, continua o projeto de sua inspiradora: compartilhar beleza e solidariedade.
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