D. João VI e D. Carlota Joaquina:existia pecado debaixo do Equador
"Corria na Europa, durante o século XVII, a crença de que aquém da linha do Equador não existe nenhum pecado: Ultra aequinoxialem nom pecari. Barlaeus, que menciona o ditado, comenta-o dizendo: 'Como se a linha que divide o mundo em dois hemisférios também separasse a virtude do vício". Sérgio Buarque de Holanda, Raízes do Brasil
O dito, popular na Europa no século 17, tornado letra de música por Chico Buarque, depois de esmiuçado por Gilberto Freyre, que contava em seu livro 'Casa Grande e Senzala': "os portugueses aqui desembarcavam escorregando em índia nua", num clima de verdadeira "intoxicação sexual".Esta aparente liberdade, estimulada pelo horizonte aberto de uma cidade marítima nos trópicos, convivia com a Inquisição portuguesa que terminou, coincidentemente, com a volta de D João VI a Portugal.
Desde o século XVI, a Igreja enviava seus visitadores ao Brasil,
encarregados de vasculhar a vida dos cristãos novos (judeus convertidos à
força) e dos sodomitas (homossexuais) que ficavam sob a custódia de
jesuítas até que chegassem os navios que os levariam às prisões do Santo
Ofício para punição severa, inclusive com morte na fogueira.
A observação da vida da corte portuguesa no Rio de Janeiro (1808-1821)
mostra uma sociedade mesclada por miscigenacão que vivia sob o jugo da
Igreja Católica e da Coroa Portuguesa e na mira da Inquisição, mas onde
os desvios de comportamento eram frequentes.
Assim acontecia com o povão, assim acontecia com a nobreza. Dom João tinha um favorito, Dona Carlota uma lista de amantes.
A partida
Na madrugada de 27/11/1807, a família real portuguesa composta por Dom
João, Dom Pedro Carlos, infante de Espanha, Dona Carlota, as infantas e o
infante Dom Miguel, Dom Pedro, príncipe do Brasil e a matriarca Dona
Maria e mais 15 mil pessoas que compunham a corte, altos funcionários e a
burguesia endinheirada embarcam, separadamente, em 8 naus, 3 fragatas, 2
brigues, 1 escuna de guerra, 1 charrua de mantimentos e mais 20 navios
mercantes da marinha portuguesa.
Oitenta milhões de cruzados vieram, também, na bagagem dos fugitivos.
A chegada
O desembarque no Rio de Janeiro, em 7/3/1808, foi lamentável.Os
60 mil habitantes (40 mil escravos negros) ficaram chocados com o
estado daqueles que só conheciam das efígies gravadas nas moedas:
imundos e infestados por pulgas e piolhos.
A pequena elite composta pelos senhores de engenho, comerciantes,
atacadistas de alimentos, fazendeiros e criadores de gado assistiu,
atônita, a requisicão de seus lares para abrigar os recém chegados.
O bom humor carioca transformou a placa 'PR' (lar requisitado pelo Príncipe Regente) em 'ponha-se na rua'.
As aparências enganam
Dom João VI (1767-1827), 27º rei de Portugal, subiu ao trono porque seus dois irmãos mais velhos morreram e a mãe ficou louca.A figura aparvalhada que aparece nas imagens oficiais é enganosa.
Agradeçamos a ele a visão de futuro que transformou o Brasil em reino unido, abriu
os portos, fundou o Banco do Brasil, a Escola de Medicina, a Academia
de Belas Artes, o Jardim Botânico do Rio de Janeiro e editou o Alvará de
Liberdade Industrial, que permitiu uma relativa emancipação econômica
no Brasil Colônia.
Entregou pessoalmente aos plantadores as primeiras mudas de café trazidas da
África, que veio a ser nossa principal fonte de riqueza durante o
Império e a República Velha.
E, num lance final de grande visão de marketing político, partiu para
Portugal para reassumir o trono e agradar as Cortes ansiosas, deixando
seu filho e herdeiro como regente.
É a D João VI que devemos, por tabela, nossa existência como
nação-continental, sem os fracionamentos resultantes das guerras de
libertação na América Espanhola.
União fracassada
D João foi obrigado a casar-se com Dona Carlota Joaquina de dez anos,
princesa de Espanha - união de interesse para os negócios na península
ibérica. Neste casamento fracassado, a vida sexual só começou com a
primeira menstruação de Carlota, aos 15 anos.Totalmente opostos, tanto na política como na vida pessoal, passaram 36 anos juntos.
O casal teve 9 filhos e sempre viveu em casas separadas em Portugal e no Brasil.
Consta que 5 dos filhos tinham diferentes pais. Mulher de péssimo gênio,
vingativa e rancorosa, intrigante e ambiciosa, sempre trabalhou no
sentido de estabelecer uma frente de poder próprio nas corte portuguesa e
espanhola.
Dona Carlota tinha reputação muito comprometida.
Colocou-se,politicamente, contra o marido e o filho e da lista de seus
amantes europeus fazem parte, entre outros, Manoel Francisco Rodrigo
Sabatini - oficial da guarda de D. Maria I -, o Marquês de Marialva, o
General Junot, Embaixador de Napoleão em Lisboa, e João dos Santos, o
cocheiro da Quinta do Ramalhão.
Em sua casa de Botafogo (zona sul do Rio) passava praticamente todo o
tempo conspirando para se tornar soberana da América Espanhola
É fato documentado que mandou matar a mulher de um de seus amantes,
Gertrudes Carneiro Leão, em 1817. Os autos deste crime foram mandados
queimar por D. João VI mas, a partir deste momento passou a ficar
confinada em sua residência, numa espécie de prisão domiciliar.
O favorito do Rei
Francisco Rufino de Sousa Lobato (1773-1830), seu favorito desde Lisboa,
'que o masturbava regularmente'.
D. João concedeu a Sousa Lobato o título de Visconde de Vila Nova da
Rainha, elevando à nobreza, pela primeira vez, um servidor particular do
Palácio.
Um dos descendentes da Família Real brasileira saiu pela tangente quando
indagado a respeito, afirmando que o caso se passou há 200 anos e não
existem provas.Este nosso Príncipe, nascido no século 20, esqueceu que arquivos, documentos e relatos não exigem firma reconhecida em cartório.
Como o depoimento do padre Miguel, que servia na Fazenda de Santa Cruz,
local de repouso e férias da família real. Depois que afirmou ter
testemunhado atos de intimidade entre o Rei e seu favorito, padre
Miguel, por mera "coincidência". foi exilado para o Bispado de Angola
Consta no Dicionário Histórico Português um alentado verbete sobre o
nobre fidalgo favorito, que começa por listar seus cargos.
'Senhor de Vila Nova da Rainha e do Moxão de Esfola Vacas; tenente general, governador da fortaleza de Santa Cruz, do Rio de Janeiro; alcaide-mor de Castro Marim, do conselho do rei D. João VI, seu guarda-roupa, porteiro da Real Câmara, manteiro, tesoureiro do bolsinho, guarda jóias e tapeçarias; apontador dos foros dos reposteiros, secretário de Estado dos negócios da Casa e Estado do Infantado, e seu administrador durante o tempo da regência; deputado da Mesa da Consciência e Ordens no Brasil, escrivão da câmara de mesmo tribunal; provedor da Alfândega do Tabaco, oficial-mor da Casa Real e superintendente do convento de Mafra'.
O General Sousa Lobato era casado e morreu sem deixar descendência.
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Leia o fascinante 'Império à deriva - A Corte Portuguesa no Rio de
Janeiro', de Patrick Wilcken, jornalista australiano radicado em
Londres.(Ed. Objetiva, 2005)
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